segunda-feira, 8 de agosto de 2016

CRÔNICAS NANDÔNICAS Nº02

                                                     

                                                                 
Quem não Quer Sossego?
       Jesus dos Campos, que jamais foi a um campo de futebol e nem podia ser chamado de ruim de bola, era um homem gordão que tinha caído um tombo, tinha batido a cabeça e ficara meio “ruim da bola.” Ele tinha um apetite extraordinário, sempre repetia suas pratadas (serras) e nunca rejeitava comida:”Eu como di tudo, intéfejãoco arroz e carne de porco, nem que sejedi lata (estômago dilatado) ou só macarrão”.
       Monsieur Jesuzão arriscava sapecar a língua francesa:”Bonsuá (boa tarde=bonsoir),a qualquer hora do dia, e “na pa de quá”, “comãtalê vu duCalipiá.” Bom, Calipiá era um  antigo bairro de Riversul, onde é hoje o Bairro Santa Terezinha, agora,... as outras palavras/frases são irrepetíveis, porque inexistentes ou irregistráveis.
       Crianças e alguns adultos sempre o insultavam, chamando-o de “casadão”, o que o deixava furioso e jogando pedradas para todo lado. Todo o estoque de pedras de Riversul/Ribeirão era reservado para ele e para o “Saracura”, o Antonho, que também atirava pedras só de ouvir alguém assobiando. Foi azar dele descobriremisso:muitas pessoas, com as quais não concordo e nunca concordarei, viviam assobiando ou começavam a assobiar quando o viam. E lá iam pedras. Por Deus, que não houve danos com nenhuma criança. Voltando ao primeiro catador e atirador de pedras, que era bem mais forte e escutava melhor, eu conversava com ele sem problemas, chamava-o de Iésus”(desculpem o acento) e curtia suas estorinhas cheias de neologismos, vindos daquela bocarra cheia de dentes, uns de ouro. Ele contava de um cavalo que desembestou com ele (essas bestas!)...”Para, cavalinho, para”(sem desespero na voz, bem lentamente)...”Para, cavalinho, para....(do mesmo jeito)...”Quando o cavalinho parô, eu fui de “pranchoar” no chão.”
       Essa figura conhecidíssima de Ribeirão/Riversul e Itararé adorava os craxás que ele exibia por cima de várias camisas e do paletó, mesmo que o sol fosse de rebentar mamona, como ele dizia, sempre suando nas suas roupas surradas, sem tirar o chapéu da cabeça.
       Meu pai também gostava de conversar com ele e dizia que oJesuzão tinha um medo terrível da morte, morria de medo de morrer (não morre mais) e rezava assim a segunda parte da Ave- Maria: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora , Amém”.
Várias vezes ele parava e “plantava” no bar do Atílio Coluço e dizia:” Sabe que eu inda não armocei?” Ele almoçava melhor que padre, não importava a hora e, invariavelmente, agradecia com estas palavras: “Artigo (Atílio), vancê é mais bão que o Gumercindo.”
Certa ocasião, em Itapeva, perto da rodoviária, chamaram o Jesus de “casadão” (sabiam também) e ele, sem ter pedras por perto, deu um murro no primeiro que achou. Sabemos que essa gente é forte, né? Foi um pacote! Só que quem foi ao chão era um sargento , que o prendeu: ele apanhou mais que sparring do Mike Tyson das primeiras lutas!
       Depois dessa desagradável experiência, o “casadão” não voltou mais a Itapeva (não tem crase) e fricou batendo esse trecho de Riversul a Itararé, cidade onde passou seus últimos dias.
        Quando morreu, provavelmente foi pro céu (Deus o tenha!) e lá chegando, travou com/contra São Pedro o seguinte diálogo:
       São Pedro: (calmo, bonachão): Qual é o seu nome?
        Jesus (o dos Campos): Jesus.
       São Pedro: Casado?
Jesus: Já tá querenolevá uma pedrada, é? Será que nem aqui num vô têsussego?Inté         aqui vai tê gente me inferNANDO?
CRÕNICAS NANDÔNICAS