quinta-feira, 20 de setembro de 2012

JESUS EM SÃO PAULO


JESUS E SÃO PAULO

OU “ QUO VADIS?”


            “Bem aventurados os humildes, porque deles será o reino dos céus.”
            E Jesus chegou em São Paulo... não o Nazareno, o Messias, o Ungido, mas sim, o “nosso” Jesus. Aliás, José Jesus de Campos, que também aprendemos a gostar.
            Não nasceu numa manjedoura e sim no lenheiro do Piagentino, lá em Ribeirão Vermelho do Sul. Seus pais, Eugenia e Pedro de Campos e não Maria e José. Mas a sua simplicidade, pureza e sinceridade, muito tem a ver com o Verdadeiro.
            Que faz aquele homem no meio dessa cidade monstruosa, desumana, assustadora? No meio da multidão ele consegue se destacar. Seu andar é balançante com as pernas e braços abertos. Usa botas, blusão de couro, chapéu aba-larga, Ray-ban e, no cinto, um monte de chaveiros. E ele pede ajuda, pergunta, implora... Como veio parar ali? Como aconteceu?.
            O Jesus se criou lá pras banda das Furnas, município de Ribeirão. Irmão do Chico Panela e afilhado do Zino Ribeiro. Tinha pavor de cidades. Contam que, para ir pela primeira vez para Ribeirão, já moço, teve que ser amarrado numa carroça. Acostumou. . Passado algum tempo veio, meio ressabiado, a Itararé, numa festa de São Pedro. Gostou. Daí por diante, seu mundo se restringiu ao eixo Furnas – Ribeirão – Itararé. E aquela figura bizarra, cheia de “nove horas”, passou a fazer parte do nosso cotidiano.
            - Tanque vire mexe, sapéle vu do salapiá, comian terrebian, bom suã, quitar eu pra falá na língua dos estranja, heim!
            E lá está ele, no meio da praça São Pedro, falando e gesticulando. Do canto da praça, um engraxate grita:
            - Casado, ei casadão!
            - Num fale assim seu jaguarordinário, vô dá parte de você pro delegado, infiliz!
            Até hoje é mistério o ódio do Jesus pela palavra “ casado”. Sabe-se apenas que veio com ele desde Ribeirão. Aqui foi difundido – segundo ele mesmo- pelos dois “burro elétrico”: Gumercindo e Rofeu.
            Um belo dia o Lúcio Mazorca convida o Jesus para uma viagem até S~so Paulo. “Conhecer a cidade que mais cresce no mundo, tirar fotografia no Jardim da  Luz, subir de elevador até o último andar do Martinelli”. Topou na hora.
            A noticia se espalhou rápida pela cidade.
            A saída foi em frente ao bar do Frasson. Uma verdadeira multidão se postou ao lado do Ford F-600 do Lúcio- carregado com 120 sacas de feijão – que saiu buzinando e pedindo passagem.
            Parecia festa, na rua gritos e vivas, das janelas acenos e na cabine um Jesus cheio de pose, estufado, orgulhoso...
       Tiavórta, sapéle vú!
            E o F-600 ganhou a estrada. Em Itapeva o Jesus comparou:
            - Êêêê Tapeva! Paresque tem mais grota qui Riberão!
            Um mundo novo ia se descortinando para ele. Capão Bonito, Itapetininga, Sorocaba...em Sorocaba viu, pela primeira vez, o asfalto.
            - Intão esse é o tar do asfarto?Paresque a istrada tá assoiada, o caminhão nem faiz buia!
            Chegaram. O ponto final será no mercado da Santa Rosa. Mas antes, na Consolação, uma parada para o lanche.
            Desceram. O Jesus ficou parado, de boca aberta, olhando para o alto dos edifícios.
            - O que ta achano, Jesuis?
            - Deusolivre, tá pareceno casa da pomba! Nessas primera porta aqui debaxo a gente entra, mais naquelas lá de cima...desse tamanhico... só sê fô de quatro pé.
            - Sarta duas média e dois sanduíche- pediu o Lúcio, dirigindo-se para o banheiro.
            O Jesus sentou-se naqueles banquinhos giratórios e, todo faceiro, ficou rodando.
            -Os dois Bauru?- indaga o garção.
            - Não sinhor, o Lúcio é d´Itararé i eu sô de Ribeirão...qué dizê... num é bem Riberão, nasci no lenhero do Piagentino, mais tudo é a mesma bosta.
            Antes que o garção perdesse a paciência, o Lúcio chamou- o para um lado e cochichou:
            - Inquanto você faiz os Bauru, eu vô fazê uma marvadeza prô Jesuis. Vá intreteno ele aí, qui eu vô pôr o caminhão naquela travessa pra vê o que acontece.
            Aconteceu. O garção se distraiu e , enquanto o Lúcio manobrava o caminhão, o Jesus saiu procurando, procurando...
            Perdido. Em questão de minutos, aquilo que jamais poderia ter acontecido, aconteceu: um Jesus perdido bem no centro de São Paulo.
            E ele gesticula, indaga, implora...
            - O Sinhor poracaso viu o Lúcio  Mazorca puraí?
            -???
            - Mais qui barbaridade, será pussive qui ninguém conhece o Lúcio? Ele tem um Fordão, ta tuda semana aqui im São Paulo bardiano fejão pro’ceis!
            - Eu não sei a quem o senhor está se referindo.
            Ara...o Lucio... magrelo, narizudo, irmão do Warte Mazorca sanfonêro, primo do Juca qui trabaia ca jardinêra do Carmo.
            E ele foi andando, perguntando, se perdendo...
            Na praça da República a banda da Polícia Militar tocava o Hino Nacional. Parou curioso. Um militar o repreendeu:
            - Ei moço, será que o senhor não sabe? Ao se ouvir o Hino Nacional Brasileiro, tem que tirar o chapéu! Olha o respeito!
            Humildemente obedeceu.
            Na rua Direita, ao ver aquela multidão, tirou rapidamente o chapéu e perguntou:
            - De quinhé o interro?
            - Que enterro, isso aí é movimento mesmo, isso aí é São Paulo, meu chapa!
            - Mais pra onde qui eles vão ino?
            - Bem...eles vão indo...escuta aqui, ô cara, tá querendo me gozar? Te arranca.
            Se arrancou para os lados da avenida São João. Numa loja de discos tocava o dobrado do IV Centenário. Ele parou, tirou o chapéu e, ressabiado, falou consigo mesmo:
            - Antes que argum guarda venha me enchê o saco outra veis, vô ficá preparado, pode sê a tar qui tá tocano de novo.
            No largo do Paissandu, um fio de esperança. Um guarda-civil, que de longe acompanhava seus passos e desespero, resolve intervir:
            - Ei moço, parece que está “meio” perdido?
            E Jesus extravasou:
            - É...mais eu num tenho curpa, o curpado é o saranga do Lúcio Mazorca, aquele esquelético me largo sozinho aqui im São Paulo. Isso aqui é um inferno! Lá im Itararé si a gente vai pro lado do cimitério, sabe qui tá ino, se vai pro lado do Lavapé, sabe qui tá vortano. Aqui, a gente num sabe si ta ino o si ta vortano!
            - Calma, vamos com calma, talvez eu possa lhe ajudar. O senhor tem documentos?
            - Só tenho a reservista, i óia lá! É de tercera categoria. Eu bem qui quiria sentá prça, mais dissero qui  eu num tinha leitura, qui era lavrador, coisa i losa... Ta aqui ó...
            _ Chiii... Mas isso aqui está em petição de miséria.
            - Bão...qui ta, ta, mais num óie com essa carranca pra mim, eu num tenho curpa. Foi um dia lá no Passa Treis. Eu tomei uma cancã d`água daquela, choveu umas duas horas a fiu, só farto moia o fiote. Aí eu dei uma rumada malemá, tirei outra fotografia no Janso i ponhei no lugar da veia. A sinatura do sargento borrô um poço, mais eu iscrivi por cima da sinatura veia.
            - Mas isso é proibido fazer, você deveria ter requerido a seguinda via e...
            - Oi seu guarda, num venha cum parte de tatu-sem-unha pra cima di mim. Já me contaro a barda da guardaiada. Voceis vêm cum nhê-nhê-nhem só pra gente dá gorgeta. Só qui cumigo, pode i apiano da pitiça, eu tô ariado. A única coisa qui eu tô quereno, é qui argum cristão me ajude a vortá pra Itararé.
            Diante daquele poço de ingenuidade o guarda, compadecido, resolveu ajudá-lo.
            Meia hora depois ele estava no Centro de Triagem de Migrantes da Estação Júlio Prestes. Recebeu um passe gratuito de São Paulo a Itararé, segunda classe. Um funcionário preencheu sua ficha:
            - Nome?
            - José Jesuis de Campo.
            - Casado?
            - Óóóó...num fale assim, sinão eu carco uma tijolada im você, seu jaguarordinário!
            - Calma, calma- intervém o chefe de repartição – ele só quer saber seu estado civil.
            - Que qué isso?
            - Se você é solteiro ou...
            - Ah! bão! Sortero, é craro.
            - Idade?
            - Trinta i treis.
            - Mãe...pai...
            Em pouco tempo, o Jesus tomou conta da repartição com suas pataquadas, principalmente do chefe, que propôs:
            - Quer jantar em minha casa?
            _ Nem num quero! Tô atorado de fome, a tripaiada tão si ingulino!
            - Querida, este é o Jesus de quem eu falei a pouco no telefone.
            - Muito prazer “ seu” Jesus!
            - Bom suã.
            - Como ?
            - Bon Suã é língua istrangêra, im brasileiro qué dizê: tudo pareio?
            - Então o senhor veio conhecer São Paulo, que está achando?
             Deus qui ataie, nem amarrado eu vorto aqui!
            - Isso é falta de costume.
            - Um rabo grosso acustumá nesse tropé? Isso é bem pirigoso! Tem mais gente qui a festa de São Bão Jesuis de Iguape. Jardinera eu contei umas cinqüenta, os trem anda no meio da rua, aqui o qui manda é os cobre. Até pra í na privada a gente tem qui pagá... carcule você cum dor de barriga i sem nicre...enche a cueca!
            No meio de tanto falatório, ainda sobrou tempo para o jantar.
            - O senhor aceita um melão de sobremesa?
            - Quesperança! Esses melãozinho japoneis num Valim nada, a japãozada carcum veneno neles pra matá as praga, se a gente comê dá um rebostêio no buxo.
            - Então uma Coca- Cola?
            - Pioro, tem gosto de remédio. Agora si a sinhora tivé uma sodinha do Vilela, eu tomo.
            - Jesus, conta pra gente, como é a sua cidade?
            - Ah! Itararé é uma cidade que há de tê pra igualá, mais pra ganhá dela, eu disconheço. Lá tudo é conhecido, pode andá ariado aqui não passa nissidade, o povo é interado de bão. Me dão rôpa, cumida, poso na pensão da dona Julia, outras veiz na casa do Zé Briense...
            - Jesus, um amigo me convidou para conhecer sua fazenda lá em Ribeirão Vermelho, até Itararé eu conheço...
            - O sinhor vai de automove?
            - Sim.
            - Ah! intão é face. Chegano im Itararé, já no armazém do Gumercino, o sinhor vira às direita i vai imbora. Passa o Lavapé, qui é um riuzinho onde antes tempo a caipirada lavava os pé antes de entrá na cidade. Depois passa a Ponte Arta. No fim da subidão em um gaio de istrada, si pegá as direita o sinhor ta cagado, vai saí no olaria do Rodrigo Horte, na Inxuvia i no alambique do Zé Curturato, purisso pegue a mais triada. Mais pra frente passa no Cerrado, que é um patrimonho. Só gente boa mora ali, os Lanhor, a Peruciada, a Barrerada, a Vergarada, a Busnelada... Daí tem uma retona, no fim dela tem outro gaio, as direita o sinhor vai saí no Morro Vermeio, onde tem o cafezá do João Cheque, siga im frente. Depois vem um discidão, no meio dela tem a venda do Zé Lanhor, que é loco pra pegá carona, é bem capaiz qui ele peça uma pro sinhor.
            - Bom, aí chegamos em Ribeirão?
            - É bem bererém, tamo no começo de viaje. Nessa discidão é bão sortá o automove im ponto morto. Ai passa na frente da fazenda do dotor Pedro, qui uma veiz arranco um estrepe do meu pé i num cobro nem um tustão. Depois vem a Serrinha , ali tem qui ingatá uma sigundinha i tentiá, porque tem muita curva. Lá no arto tem a incruziada do Passo Fino i da Pedra Branca, siga im frente. Passa na fazenda Java, qui é dos Pimenter, mais quem toma conta é o Zé Mariano.
            - Chegamos.
            - Carma, ainda temo qui passá na venda do Chico Izartino, do Tonico , do Paricinho... No Paricinho tem qui tê cuidado, ali tem uma curva lazarenta de pirigosa. Um dia eu vinha vino co Mário Portela i ele entro meio de resbanguela na curva, quase qui nóis vai pro saco. É... voceis tão dano risada, mais si num é ele sê caroço na direção, nóis tinha ido pro cu do tigre!
            - E daí?
            - Bão, daí só tem o cruzo de Riberão cum Itaporanga, é só entrá às canha i descê pra Riberão. Viu cumo foi face? Num tem erro!
            - Jesus do céu , perdemos o trem!
            - Num tem portância, eu poso aqui e amanhã eu vô de mistro.


BIBLIOGRAFIA: JOSÉ MARIA DA SILVA ( JOSÉ MARIA DO PONTO)
            

Um comentário:

  1. Bela tacada, Sidinei!
    Para quem, como eu, é fissurado na nossa cultura, uma delícia de se ler.
    Abraço, amigo "véio" !
    Zé Antonio
    Itararé

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