JESUS E SÃO PAULO
OU “ QUO VADIS?”
“Bem
aventurados os humildes, porque deles será o reino dos céus.”
E
Jesus chegou em São Paulo... não o Nazareno, o Messias, o Ungido, mas sim, o
“nosso” Jesus. Aliás, José Jesus de Campos, que também aprendemos a gostar.
Não
nasceu numa manjedoura e sim no lenheiro do Piagentino, lá em Ribeirão Vermelho
do Sul. Seus pais, Eugenia e Pedro de Campos e não Maria e José. Mas a sua
simplicidade, pureza e sinceridade, muito tem a ver com o Verdadeiro.
Que
faz aquele homem no meio dessa cidade monstruosa, desumana, assustadora? No
meio da multidão ele consegue se destacar. Seu andar é balançante com as pernas
e braços abertos. Usa botas, blusão de couro, chapéu aba-larga, Ray-ban e, no
cinto, um monte de chaveiros. E ele pede ajuda, pergunta, implora... Como veio
parar ali? Como aconteceu?.
O
Jesus se criou lá pras banda das Furnas, município de Ribeirão. Irmão do Chico
Panela e afilhado do Zino Ribeiro. Tinha pavor de cidades. Contam que, para ir
pela primeira vez para Ribeirão, já moço, teve que ser amarrado numa carroça.
Acostumou. . Passado algum tempo veio, meio ressabiado, a Itararé, numa festa
de São Pedro. Gostou. Daí por diante, seu mundo se restringiu ao eixo Furnas –
Ribeirão – Itararé. E aquela figura bizarra, cheia de “nove horas”, passou a
fazer parte do nosso cotidiano.
-
Tanque vire mexe, sapéle vu do salapiá, comian terrebian, bom suã, quitar eu
pra falá na língua dos estranja, heim!
E
lá está ele, no meio da praça São Pedro, falando e gesticulando. Do canto da
praça, um engraxate grita:
-
Casado, ei casadão!
-
Num fale assim seu jaguarordinário, vô dá parte de você pro delegado, infiliz!
Até
hoje é mistério o ódio do Jesus pela palavra “ casado”. Sabe-se apenas que veio
com ele desde Ribeirão. Aqui foi difundido – segundo ele mesmo- pelos dois
“burro elétrico”: Gumercindo e Rofeu.
Um
belo dia o Lúcio Mazorca convida o Jesus para uma viagem até S~so Paulo.
“Conhecer a cidade que mais cresce no mundo, tirar fotografia no Jardim da Luz, subir de elevador até o último andar do
Martinelli”. Topou na hora.
A
noticia se espalhou rápida pela cidade.
A
saída foi em frente ao bar do Frasson. Uma verdadeira multidão se postou ao
lado do Ford F-600 do Lúcio- carregado com 120 sacas de feijão – que saiu
buzinando e pedindo passagem.
Parecia
festa, na rua gritos e vivas, das janelas acenos e na cabine um Jesus cheio de
pose, estufado, orgulhoso...
Tiavórta, sapéle vú!
E
o F-600 ganhou a estrada. Em Itapeva o Jesus comparou:
-
Êêêê Tapeva! Paresque tem mais grota qui Riberão!
Um
mundo novo ia se descortinando para ele. Capão Bonito, Itapetininga,
Sorocaba...em Sorocaba viu, pela primeira vez, o asfalto.
-
Intão esse é o tar do asfarto?Paresque a istrada tá assoiada, o caminhão nem
faiz buia!
Chegaram.
O ponto final será no mercado da Santa Rosa. Mas antes, na Consolação, uma
parada para o lanche.
Desceram.
O Jesus ficou parado, de boca aberta, olhando para o alto dos edifícios.
-
O que ta achano, Jesuis?
-
Deusolivre, tá pareceno casa da pomba! Nessas primera porta aqui debaxo a gente
entra, mais naquelas lá de cima...desse tamanhico... só sê fô de quatro pé.
-
Sarta duas média e dois sanduíche- pediu o Lúcio, dirigindo-se para o banheiro.
O
Jesus sentou-se naqueles banquinhos giratórios e, todo faceiro, ficou rodando.
-Os
dois Bauru?- indaga o garção.
-
Não sinhor, o Lúcio é d´Itararé i eu sô de Ribeirão...qué dizê... num é bem
Riberão, nasci no lenhero do Piagentino, mais tudo é a mesma bosta.
Antes
que o garção perdesse a paciência, o Lúcio chamou- o para um lado e cochichou:
-
Inquanto você faiz os Bauru, eu vô fazê uma marvadeza prô Jesuis. Vá intreteno
ele aí, qui eu vô pôr o caminhão naquela travessa pra vê o que acontece.
Aconteceu.
O garção se distraiu e , enquanto o Lúcio manobrava o caminhão, o Jesus saiu
procurando, procurando...
Perdido.
Em questão de minutos, aquilo que jamais poderia ter acontecido, aconteceu: um
Jesus perdido bem no centro de São Paulo.
E
ele gesticula, indaga, implora...
-
O Sinhor poracaso viu o Lúcio Mazorca
puraí?
-???
-
Mais qui barbaridade, será pussive qui ninguém conhece o Lúcio? Ele tem um
Fordão, ta tuda semana aqui im São Paulo bardiano fejão pro’ceis!
-
Eu não sei a quem o senhor está se referindo.
Ara...o
Lucio... magrelo, narizudo, irmão do Warte Mazorca sanfonêro, primo do Juca qui
trabaia ca jardinêra do Carmo.
E
ele foi andando, perguntando, se perdendo...
Na
praça da República a banda da Polícia Militar tocava o Hino Nacional. Parou
curioso. Um militar o repreendeu:
-
Ei moço, será que o senhor não sabe? Ao se ouvir o Hino Nacional Brasileiro,
tem que tirar o chapéu! Olha o respeito!
Humildemente
obedeceu.
Na
rua Direita, ao ver aquela multidão, tirou rapidamente o chapéu e perguntou:
-
De quinhé o interro?
-
Que enterro, isso aí é movimento mesmo, isso aí é São Paulo, meu chapa!
-
Mais pra onde qui eles vão ino?
-
Bem...eles vão indo...escuta aqui, ô cara, tá querendo me gozar? Te arranca.
Se
arrancou para os lados da avenida São João. Numa loja de discos tocava o
dobrado do IV Centenário. Ele parou, tirou o chapéu e, ressabiado, falou
consigo mesmo:
-
Antes que argum guarda venha me enchê o saco outra veis, vô ficá preparado,
pode sê a tar qui tá tocano de novo.
No
largo do Paissandu, um fio de esperança. Um guarda-civil, que de longe acompanhava
seus passos e desespero, resolve intervir:
-
Ei moço, parece que está “meio” perdido?
E
Jesus extravasou:
-
É...mais eu num tenho curpa, o curpado é o saranga do Lúcio Mazorca, aquele
esquelético me largo sozinho aqui im São Paulo. Isso aqui é um inferno! Lá im
Itararé si a gente vai pro lado do cimitério, sabe qui tá ino, se vai pro lado
do Lavapé, sabe qui tá vortano. Aqui, a gente num sabe si ta ino o si ta
vortano!
-
Calma, vamos com calma, talvez eu possa lhe ajudar. O senhor tem documentos?
-
Só tenho a reservista, i óia lá! É de tercera categoria. Eu bem qui quiria
sentá prça, mais dissero qui eu num
tinha leitura, qui era lavrador, coisa i losa... Ta aqui ó...
_
Chiii... Mas isso aqui está em petição de miséria.
-
Bão...qui ta, ta, mais num óie com essa carranca pra mim, eu num tenho curpa.
Foi um dia lá no Passa Treis. Eu tomei uma cancã d`água daquela, choveu umas
duas horas a fiu, só farto moia o fiote. Aí eu dei uma rumada malemá, tirei
outra fotografia no Janso i ponhei no lugar da veia. A sinatura do sargento borrô
um poço, mais eu iscrivi por cima da sinatura veia.
-
Mas isso é proibido fazer, você deveria ter requerido a seguinda via e...
-
Oi seu guarda, num venha cum parte de tatu-sem-unha pra cima di mim. Já me
contaro a barda da guardaiada. Voceis vêm cum nhê-nhê-nhem só pra gente dá
gorgeta. Só qui cumigo, pode i apiano da pitiça, eu tô ariado. A única coisa
qui eu tô quereno, é qui argum cristão me ajude a vortá pra Itararé.
Diante
daquele poço de ingenuidade o guarda, compadecido, resolveu ajudá-lo.
Meia
hora depois ele estava no Centro de Triagem de Migrantes da Estação Júlio
Prestes. Recebeu um passe gratuito de São Paulo a Itararé, segunda classe. Um
funcionário preencheu sua ficha:
-
Nome?
-
José Jesuis de Campo.
-
Casado?
-
Óóóó...num fale assim, sinão eu carco uma tijolada im você, seu
jaguarordinário!
-
Calma, calma- intervém o chefe de repartição – ele só quer saber seu estado
civil.
-
Que qué isso?
-
Se você é solteiro ou...
-
Ah! bão! Sortero, é craro.
-
Idade?
-
Trinta i treis.
-
Mãe...pai...
Em
pouco tempo, o Jesus tomou conta da repartição com suas pataquadas,
principalmente do chefe, que propôs:
-
Quer jantar em minha casa?
_
Nem num quero! Tô atorado de fome, a tripaiada tão si ingulino!
-
Querida, este é o Jesus de quem eu falei a pouco no telefone.
-
Muito prazer “ seu” Jesus!
-
Bom suã.
-
Como ?
-
Bon Suã é língua istrangêra, im brasileiro qué dizê: tudo pareio?
-
Então o senhor veio conhecer São Paulo, que está achando?
Deus qui ataie, nem amarrado eu vorto aqui!
-
Isso é falta de costume.
-
Um rabo grosso acustumá nesse tropé? Isso é bem pirigoso! Tem mais gente qui a
festa de São Bão Jesuis de Iguape. Jardinera eu contei umas cinqüenta, os trem
anda no meio da rua, aqui o qui manda é os cobre. Até pra í na privada a gente
tem qui pagá... carcule você cum dor de barriga i sem nicre...enche a cueca!
No
meio de tanto falatório, ainda sobrou tempo para o jantar.
-
O senhor aceita um melão de sobremesa?
-
Quesperança! Esses melãozinho japoneis num Valim nada, a japãozada carcum
veneno neles pra matá as praga, se a gente comê dá um rebostêio no buxo.
-
Então uma Coca- Cola?
-
Pioro, tem gosto de remédio. Agora si a sinhora tivé uma sodinha do Vilela, eu
tomo.
-
Jesus, conta pra gente, como é a sua cidade?
-
Ah! Itararé é uma cidade que há de tê pra igualá, mais pra ganhá dela, eu
disconheço. Lá tudo é conhecido, pode andá ariado aqui não passa nissidade, o
povo é interado de bão. Me dão rôpa, cumida, poso na pensão da dona Julia,
outras veiz na casa do Zé Briense...
-
Jesus, um amigo me convidou para conhecer sua fazenda lá em Ribeirão Vermelho,
até Itararé eu conheço...
-
O sinhor vai de automove?
-
Sim.
-
Ah! intão é face. Chegano im Itararé, já no armazém do Gumercino, o sinhor vira
às direita i vai imbora. Passa o Lavapé, qui é um riuzinho onde antes tempo a
caipirada lavava os pé antes de entrá na cidade. Depois passa a Ponte Arta. No
fim da subidão em um gaio de istrada, si pegá as direita o sinhor ta cagado,
vai saí no olaria do Rodrigo Horte, na Inxuvia i no alambique do Zé Curturato,
purisso pegue a mais triada. Mais pra frente passa no Cerrado, que é um
patrimonho. Só gente boa mora ali, os Lanhor, a Peruciada, a Barrerada, a
Vergarada, a Busnelada... Daí tem uma retona, no fim dela tem outro gaio, as
direita o sinhor vai saí no Morro Vermeio, onde tem o cafezá do João Cheque,
siga im frente. Depois vem um discidão, no meio dela tem a venda do Zé Lanhor,
que é loco pra pegá carona, é bem capaiz qui ele peça uma pro sinhor.
-
Bom, aí chegamos em Ribeirão?
-
É bem bererém, tamo no começo de viaje. Nessa discidão é bão sortá o automove
im ponto morto. Ai passa na frente da fazenda do dotor Pedro, qui uma veiz
arranco um estrepe do meu pé i num cobro nem um tustão. Depois vem a Serrinha ,
ali tem qui ingatá uma sigundinha i tentiá, porque tem muita curva. Lá no arto
tem a incruziada do Passo Fino i da Pedra Branca, siga im frente. Passa na
fazenda Java, qui é dos Pimenter, mais quem toma conta é o Zé Mariano.
-
Chegamos.
-
Carma, ainda temo qui passá na venda do Chico Izartino, do Tonico , do
Paricinho... No Paricinho tem qui tê cuidado, ali tem uma curva lazarenta de
pirigosa. Um dia eu vinha vino co Mário Portela i ele entro meio de resbanguela
na curva, quase qui nóis vai pro saco. É... voceis tão dano risada, mais si num
é ele sê caroço na direção, nóis tinha ido pro cu do tigre!
-
E daí?
-
Bão, daí só tem o cruzo de Riberão cum Itaporanga, é só entrá às canha i descê
pra Riberão. Viu cumo foi face? Num tem erro!
-
Jesus do céu , perdemos o trem!
-
Num tem portância, eu poso aqui e amanhã eu vô de mistro.
BIBLIOGRAFIA: JOSÉ MARIA DA SILVA
( JOSÉ MARIA DO PONTO)
Bela tacada, Sidinei!
ResponderExcluirPara quem, como eu, é fissurado na nossa cultura, uma delícia de se ler.
Abraço, amigo "véio" !
Zé Antonio
Itararé